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19 janeiro, 2007

Ano novo, lógica nova

Faz um tempo que estava querendo colocar este texto aqui. Para pensar.

Original no Terra

Ano novo, lógica nova
Segunda, 8 de janeiro de 2007, 07h59
Carlos Drummond





A tradição impede e o medo dificulta. Mas que uma mudança na forma de pensar em 2007 faria bem à cabeça e à alma de muitos, não há dúvida. Há quem se ressinta da superficialidade e da mesmice das análises, do tédio dos enfoques repetidos todos os dias pela grande mídia e reprisados nos finais de semana nas conversas com familiares e amigos. Não é impossível partir para um modo de ver um pouquinho diferente. A condição fundamental é a pré-existência de alguma inquietação, de insatisfação com aquilo que entedia, de saturação com tanta repetição. O tempero indispensável é um certo olhar crítico. O começo pode ser a reflexão sobre algumas perguntas. Por exemplo, estas:

1 - Existe alguma razão defensável para que o Brasil tenha as mais altas taxas de juros do mundo?

2 - É crível que a resistência em baixar os juros seja desinteressada?

3 - O que explica a resistência inabalável da muralha que separa ricos e pobres, brancos e negros no Brasil?

4 - Por que a mídia deve ser formadora de opinião?

5 - A mídia ainda forma opinião?

6 - Por que governos brasileiros recentes e também o atual não deram a menor importância a uma política industrial digna desse nome, enquanto a China domina o comércio mundial precisamente com uma avalanche de produtos industriais?

7 - É consistente encaminhar uma economia como a brasileira para ser, ao que parece, uma grande produtora de cana-de-açúcar, frango, minério, suco de laranja e outros produtos de grande volatilidade nos preços e baixíssimo valor agregado?

8 - Por que o Brasil não investe decididamente na produção de itens de grande valor agregado e de elevado dinamismo na pauta mundial, como fizeram todos os países que hoje dão as cartas no mundo?

9 - Por que os jornais e a televisão nunca criticam os bancos?

10 - Por que os impostos pagos por bancos e empresas são proporcionalmente irrisórios em relação aos arrecadados dos assalariados?

11 - Por que a palavra reestatização (ou desprivatização) irrita tanto os endinheirados e os emergentes mas, aparentemente, é do agrado dos menos favorecidos?

12 - Embora o dinheiro da corrupção seja macroeconomicamente de proporções irrelevantes, por que alguns sempre argumentam que é devido à esse tipo de malversação de recursos que a saúde, ou a educação, ou ambos, e/ou outras áreas, vão mal no Brasil?

13 - Por que há tanta resistência em admitir a comparabilidade dos desvios do presente com os do passado recente e do não tão recente também?

14 - Alguém tem notícia de algum país que tenha chegado ao primeiro time sem uma indústria privada poderosa e grandes investimentos do Estado?


Quem conseguiu chegar até este ponto da leitura sem sentir engulhos, talvez se interesse em saber ou lembrar que:

1 - No século 19 os Estados Unidos eram um dos países mais corruptos do mundo. Empresários compravam políticos, juízes, policiais e obtinham as leis que queriam. Era comum a construção de canais-fantasmas e de estradas de ferro com extensão muito maior do que a necessária porque o pagamento era por quilômetro. Armadores vendiam ao exército barcos que não chegavam ao final da primeira viagem. O saque aos bens públicos acontecia dia e noite, sob variadíssimas formas.

2 - Até meio século atrás, a China tinha regiões onde a miséria era tanta que em certas aldeias algumas pessoas pintavam o corpo para disfarçar a nudez, dado o fato de não possuírem sequer uma peça de roupa. Entretanto, nenhum outro país conseguiu, até hoje, retirar tantas pessoas da pobreza quanto a China nas últimas duas décadas.

3 - Antes de triunfar, a doutrina neoliberal ainda imperante amargou duas décadas sem o menor prestígio nem político nem acadêmico. Foi a persistência dos seus próceres e muito dinheiro irrigado para congressos de juízes e bolsos de alguns jornalistas que, em momento propício da conjuntura mundial, possibilitou a sua ascensão ao patamar de ideologia hegemônica.

4 - O mundo desenvolvido e parte dos demais países viveram décadas com um sistema econômico baseado em alguma medida na solidariedade. Por exemplo, imperava uma modalidade de aposentadorias em que as pessoas com emprego pagavam a pensão daquelas que consumiram a sua energia na produção e atingiram a velhice. A liquidação do emprego, a onda privatizante e o encurralamento do estado prepararam o terreno para os que pretendem transformar a aposentadoria numa aposta no mercado de capitais e tornar a dignidade dos velhos refém da variação da bolsa. Pairam dúvidas sobre o êxito desse modelo predador.

5 - A proteção das patentes de medicamentos e de outros produtos é um dos pilares, aparentemente inabalável, da economia privada dominada pelos grandes grupos. Não necessariamente, entretanto, continuará a ter o peso que teve até hoje. A China e a Índia, entre outros países, parecem, em alguns momentos, compreenderem que a legislação internacional sobre o assunto na verdade foi estabelecida para assegurar a dominação dos países ricos sobre os pobres e das grandes empresas sobre as demais. A clonagem, a quebra de patentes, a associação com grandes grupos formalmente estabelecidos para a produção de imitações parecem hoje incorporadas às políticas econômicas de alguns países. Estes, diante da crítica à ilegalidade das cópias e da quebra de patentes, argumentam que os monopólios e toda a dominação econômica são imorais.


Tudo isso para dizer o óbvio: quem acha difícil uma mudança da situação atual para melhor deixa de lado o fato de que as coisas nem sempre foram assim, como mostra a história. E que, se mudaram, foi porque alguns perceberam a recorrência dos altos e dos baixos, das sístoles e das diástoles na história. Em determinado momento, essas pessoas começaram a fazer alguma coisa simples, mas fundamental e inovadora. Não é preciso achar que você é uma das pessoas. Mas é indispensável perceber o movimento.

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